Pluien. Erguida há mais de 200 anos,
é considerada uma fonte de riquezas, riquezas estas inteligentemente
aproveitadas por duas empresas: Pluien Corporis I e II. Pluien Corporis I é a
responsável pelas importações vindas de outras nações, pelas negociações em
prol daquilo que entra e beneficia o povo. Decretado o que fica em Pluien ou o
que é necessário para seu crescimento econômico, a informação é passada para a
Pluien Corporis II, que concretiza o decreto, sendo também a responsável pelas
exportações e pelo trabalho bruto. Ambas foram instaladas na capital Tenyr, e
desde sempre foram administradas por duas grandes famílias: Girard e Dupont.
A família Girard sempre foi
conhecida pela lábia e por métodos não muito ortodoxos de se conseguir as
coisas. Felizmente tais métodos só enriqueceram a região. Também era uma
família temida. Apesar do porte profissional e das negociações terminarem
sempre em sucesso, os Girards gostavam de se divertir ilicitamente. A violência
os agradava.
Ao contrário da família Girard, a
família Dupont era vista por sua imensa generosidade. Era respeitada por todos,
viam os empregados como membros de sua enorme família. Mas muitas vezes os
membros se viam desmoralizados por se portarem de tal forma. Era considerada a
parte fraca e descartável da união. Ainda sim, o reinado em conjunto perdurou
longos anos, com respeito mútuo partindo das famílias. Porém com a última
geração de governantes, começou os desentendimentos.
Inveja. A capital era pequena demais
para duas grandes empresas. Gilbert Girard, um homem forte, com seus 35 anos
nas costas. Casado com Augustinne Girard, uma bela moça na flor de seus 25
anos. Tinham um filho, Kaleb, de apenas 6 anos na época. Possuiam bens, mas não
o devido respeito.
Cobiça. Por mais bondoso que fosse
Dimitri Dupont, precisava de mais riquezas para deixar em ordem sua amada
nação. Homem esguio, 33 anos, casado com Joanna Dupont, uma jovem que acabara
de desabrochar – não aparentava passar dos 18 anos – prestes a dar à luz. Tais
sentimentos não permitiam a união das duas famílias.
Rivalidade. Falsidade. As duas
famílias haviam iniciado uma guerra particular. Era evidente para elas que
trabalhar em conjunto estava fora de cogitação. Aquilo estava longe de ser
chamada de equipe. Gilbert e Dimitri estavam longe de parecerem sócios. Aquela
aliança inquebrável havia rachado. Assim como o governo. Ignorar a situação do
povo deu início à primeira crise financeira de Pluien. O povo estava
insatisfeito.
No início, a população aguentou
calada. Acreditavam que voltariam à prosperidade em breve. Estavam enganados. A
guerra particular entre as famílias perdurou. E o povo resolveu tomar uma
iniciativa: se as duas empresas não podiam mais ser controladas pelos
patriarcas, deveriam ser do povo.
Uma rebelião se formou. A nação
antes próspera resumia-se no caos. Os patriarcas das duas famílias só tinham
uma única alternativa: fazer as pazes. E provar para o povo que a aliança
estava de volta. Mas o povo não mais ouvia. Foi então convocada uma assembleia geral,
um aperto de mão público talvez funcionasse. Estavam errados.
Joanna estava em trabalho de parto. Uma
das parteiras da família Dupont resolveu ajudar. Dimitri, mesmo cheio de
problemas, segurava a mão da esposa. Refugiados na empresa, nem sua mansão era
mais segura. Gilbert apareceu.
- O que você faz aqui? – Perguntou Dimitri,
num tom cansado, em meio aos gemidos de
dor da sua esposa. – Não devia liderar a tropa contra os rebeldes?...
- Dispensei. – Respondeu seco.
Parecia prestar atenção no parto.
- Como assim dispensou???? Eu não
posso liderá-la, estou com minha esposa, ela precisa de mim! Vai deixar que tomem
as empresas tão facilmente? Eu esperava mais de voc-
- Antes de falar tantas besteiras,
ouça minha ideia. – o interrompeu, sentando-se na cadeira ao lado da cabiceira –
O povo não quer um simples aperto de mão... o povo quer algo maior. Uma união
inquebrável.
- Só mais um pouco... respire junto comigo minha
senhora. 1, 2, 3... – a parteira sussurrava para Joanna.
- Como assim união inquebrável?? –
Dimitri estava nervoso. Enxugava com um lenço a testa de sua esposa, que
começava a gritar mais alto.
- Uma união que “só a morte separe”...
– ainda olhava a esposa do rival – Prometa sua filha ao meu.
Dimitri parecia confuso. Franziu o
cenho, demonstrando toda a sua indignação.
- Prometer? Prometer... como assim?
Nem ao menos sabemos o sexo da criança!
- Oremos aos deuses para que seja
menina... ainda que seja tarde para isso.
Um choro ecoou no quarto. A criança
foi imediatamente envolta de um manto, e entregue a mãe. Joanna sorria,
feliz... os dois homens presentes encaravam a parteira e a mãe do bebê,
curiosos. Não observaram o sexo à tempo.
- Seu nome será... Satinne. –
pronunciou a mãe para a filha.
Alívio. Era o que Gilbert sentia.
Estendeu a mão, esperando que o outro retribuísse o gesto num aperto. Dimitri o
fez. Mas foi interrompido pela esposa, cansada, que segurava o bebê.
- Com uma condição... eu aceito sua
proposta, Sr. Gilbert.
- E qual seria?
- Entregarei minha filha ao seu...
apenas depois de seu primeiro sangramento.
Gilbert sorriu, consentido com a
cabeça.
- Nada mais justo...
Outra assembleia foi convocada.
Dessa vez, Augustinne segurava na mão de seu filho, Kaleb, e Joanna segurava Satinne em seus braços. Os dois homens tomavam a frente. Dimitri, que sempre
fora respeitado, iria discursar.
- Há tempos que os desentendimentos
pessoais entre nós, donos da Pluien Corporis I e II fizeram com que deixássemos
de lado vocês, cidadãos. – Vaia, gritaria. Ninguém parecia se importar. Ele
continuou falando. Gilbert estava apenas em pé. – Mas garanto a vocês que esse
tempo acabou. Estamos entrando em uma nova era... pretendemos reerguer o que
deixamos pra trás! – “Mentira!” “Queremos provas!”, gritavam as pessoas – POR ISSO...
para provar que nossa união é verdadeira, gostaria de informar-lhes uma união
maior. – As duas mães se aproximavam. - ...a união futura de minha filha
Satinne, e do pequeno Kaleb. Não somos mais duas famílias distintas. A partir
de hoje... nos tornaremos apenas uma.
O silêncio se instaurou, finalmente.
Estavam embasbacados. Os dois líderes, para finalizar, apertaram as mãos.
Gilbert tomou partido.
- PLUIEN VOLTARÁ A SER EXEMPLO DE
PRODUTIVIDADE! FONTE DE RIQUEZAS! NÃO DEIXAREMOS QUE NENHUMA BESTEIRA INTERFIRA
EM MAIS NADA! VAMOS TODOS REERGUER PLUIEN JUNTOS! QUEM ESTÁ CONOSCO???
Os cidadãos gritavam. Mas não eram
vaias. “EEHHH!”, “MUITO BEEEM!”. A esperança e confiança haviam retornado à
nação. Sem parar de sorrir e ainda apertando a mão do agora sogro de seu filho,
aproximou-se dele, sussurrando.
- Acredite... unir meu poder com o respeito que lhe dão foi a melhor ideia que já tive. Melhor sermos parceiros que
inimigos... não acha?
...[ 14 anos depois ]...
Sentada na cama dos pais, Satinne esperava
a mãe. Seu olhar parecia vago. Seu pai havia saído para observar o
desenvolvimento dos transportadores, logo voltaria. Mas ela queria falar
primeiro com a mãe. Não demorou para que Joanna chegasse, sorrindo como sempre.
- Fiquei preocupada... mas pelo
menos fisicamente, você parece bem. – suspirou, aliviada – Lembre-se da sua
promessa... não importa o que aconteça, não estrague seu casamento. – segurou a
mão da filha, sentando-se ao seu lado – Por que me chamou assim, tão
subitamente?
Satinne apenas escutou a mãe. Seu
olhar continuava estranho. Sorriu, de leve.
- Não se preocupe... não estragarei
nada, mamãe.
- Eu sei, princesa... e eu me
orgulho disso! Isso prova que te criei bem. Agora, qual o motivo da urgência?
Satinne abriu mais o sorriso. Dessa
vez, sentiu o coração acelerar. Não conteve as lágrimas, apesar de não emitir
nenhum som e permanecer com o semblante de alegria. Sua mãe talvez achasse que
era um sorriso de felicidade. Na verdade, qualquer um acharia. Mas a dor no seu
peito era impossível disfarçar. Sua alma havia quebrado.
- Estou grávida do Kaleb, mamãe...